Deputadas brasileiras reafirmam legado de Pequim trinta anos após conferência
24.03.2025
Benedita da Silva, Jandira Feghali e Laura Carneiro refletem sobre as contribuições da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim para a igualdade de gênero. No entanto, apontam que é preciso não deixar que essas conquistas retrocedam
Em 1995, Pequim, a capital da China, recebeu mais de 17 mil pessoas de 189 países para a IV Conferência Mundial sobre a Mulher das Nações Unidas. Nas delegações do Brasil, entre as integrantes do governo e representantes da sociedade civil, estavam também deputadas federais, incluindo Benedita da Silva, Jandira Feghali e Laura Carneiro. Trinta anos depois, elas seguem ocupando cadeiras no Parlamento e mantêm a igualdade de gênero como um motor de seus mandatos. A Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, adotada ao final da Conferência, é uma inspiração cotidiana para o trabalho delas.
“Eram muito poucas mulheres [deputadas] naquela época, e as deputadas que existiam foram convidadas para participar”, contou Laura à equipe da ONU Mulheres, durante a abertura da exposição “Pequim + 30 e a igualdade de gênero no Parlamento brasileiro”. Não só as mulheres eram poucas, como as próprias discussões sobre gênero e direitos humanos em uma perspectiva global eram incipientes. “Beijing preconizou um movimento internacional, e em cada país, para que essa pauta ganhasse relevância”, comentou Jandira, na mesma ocasião.
Nos bastidores
Jandira mencionou também “polêmicas e dificuldades” na articulação dos bastidores, já que documentos como a Plataforma de Pequim devem ser aprovados por consenso. Segundo ela, uma das pautas mais difíceis eram os direitos sexuais e reprodutivos, tanto em momentos oficiais, protagonizados pelas delegações dos Estados, quanto nos espaços liderados pela sociedade civil. “Acabamos vencendo, porque o tema entrou [no documento]”, disse. A garantia desses direitos é determinada nas seções sobre A Mulher e a Saúde, Os Direitos Humanos da Mulher e A Menina, três das 12 áreas críticas de preocupação que estruturam a Plataforma.
Se chegar a alguns consensos era desafiador, por outro lado a Conferência de Pequim chancelou entendimentos cruciais para a atuação dos movimentos feministas e a elaboração de políticas públicas com perspectiva de gênero. Para Jandira, um deles foi a feminilização da pobreza, ou seja, o fato de que a pobreza atinge centralmente as mulheres. “Esse é um conceito sobre o qual ninguém falava até então. A gente falava da pobreza, mas não dava recorte de gênero. E nem se dava o recorte de raça, que foi agregado depois”, refletiu.
No todo, Jandira avalia que a experiência em Pequim foi de muito aprendizado, com destaque para as partilhas cotidianas entre a delegação oficial do Brasil e a da sociedade civil. “Era um exercício de articulação e paciência”, frisou. Para Benedita da Silva, o aniversário de 30 anos da Conferência “nos faz lembrar do caminho para a igualdade e para a construção coletiva”. As três parlamentares realçaram que o legado de Pequim é inegável e que tem contribuído para melhorar a vida de mulheres no país, inspirando leis, políticas, serviços e equipamentos públicos.
O legado
Uma parceria entre a ONU Mulheres e a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, que tem Benedita da Silva como coordenadora-geral, a exposição “Pequim + 30 e a Igualdade de Gênero no Parlamento Brasileiro” mostrou como o legado da Conferência permanece vivo na Casa. As leis Maria da Penha, Carolina Dieckman, do Feminicídio e da Igualdade Salarial estavam entre os marcos destacados, além da Emenda Constitucional das Domésticas e do reconhecimento do direito ao financiamento eleitoral das candidaturas das mulheres.
Laura Carneiro avaliou que o maior deles é a Lei Maria da Penha, em suas palavras “um divisor de águas na questão da mulher”. Jandira Feghali, que foi a relatora da lei na Câmara dos Deputados, afirmou que ela “é um marco no sistema de justiça no Brasil e na luta pela defesa da vida das mulheres”. Para Benedita da Silva, ela não se tornou uma lei morta. “E por que não ficou uma lei morta? Porque foram criados os equipamentos [públicos], porque ela foi discutida no mundo inteiro… É aquela história da lei que deu certo”.
Desafios 30 anos depois
As deputadas reconheceram que várias das conquistas desde a Conferência de Pequim estão ameaçadas pela agenda antigênero em alta no Brasil e no mundo. O próprio uso da palavra “gênero”, presente no texto da Plataforma, está em disputa no Parlamento. “Eu diria que a gente evoluiu e avançou em muita coisa, mas acho que esses retrocessos ideológicos, da guerra cultural, são mais recentes. Nunca foi fácil, mas esse recorte mais ideológico, que quer tirar gênero do texto, que não deixa escrever identidade de gênero, é mais recente”, ponderou Jandira.
Na visão das deputadas, um outro desafio atual é a violência política de gênero, que afeta mulheres de todo o espetro político, seja no Parlamento, seja no poder Executivo e em outros espaços da política institucional. Segundo Jandira, isso não ganhou destaque na Conferência de Pequim, e o crescimento dos debates veio justamente com a participação progressiva de mulheres na política. Essa forma de violência é um dos obstáculos para ampliar a participação política das mulheres.
Segundo o Mapa Mulheres na Política: 2025, lançado recentemente pela ONU Mulheres e a União Interparlamentar, neste ano os homens superam as mulheres em mais de três vezes nos cargos executivos e legislativos mundo afora. O Brasil, em especial, ocupa o 133º lugar no ranking mundial de representação parlamentar de mulheres. Benedita, Jandira e Laura estão entre as 93 deputadas federais do Congresso em um universo de 513 parlamentares, ou seja, apenas 18,1%. “Se pegarmos o recorte de mulher negra então, daí temos pouquíssimas”, lamentou Benedita. Com 5,37% de mulheres negras eleitas em 2022, a Câmara dos Deputados possui quase cinco vezes menos mulheres negras do que o esperado, fosse respeitada a sua proporção demográfica.
“A nossa maior preocupação é que esses avanços [de Pequim] permaneçam e que a gente não tenha nenhum tipo de retrocesso. E isso tudo depende, principalmente, da representação feminina. É isso que a Secretaria da Mulher tem buscado. Que essa representação seja cada vez mais forte, duradoura e capaz de fazer com que a legislação efetivamente transforme a vida das mulheres”, realçou Laura Carneiro. Para Benedita, “há que se ter sempre em mente que, quando não dá para avançar, não podemos também deixar retroceder”. Decana no Parlamento brasileiro, ela segue otimista: “Então, é difícil ainda nossa caminhada, mas estamos juntas sempre, né? Eu acredito que nós também temos boas histórias para contar”, finalizou.